Prof.ª
Dr.ª Sandra Alves da Silva Santiago. Professora Adjunta do Centro de Educação.
Departamento de Habilitações Pedagógicas. E-mail:
sandraassantiago@yahoo.com.br
FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DE TRADUTORES/INTÉRPRETES
DE LÍNGUA DE SINAIS: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES PARA A PRÁTICA NO ENSINO SUPERIOR
Resumo
É consenso que os alunos surdos
enfrentam muitos obstáculos, mas seu principal entrave é o uso de uma língua
diferente: a língua de sinais. Neste contexto, emerge o papel do
intérprete/tradutor de língua de sinais, como um dos principais agentes na
superação dos limites impostos pela hegemonia ouvintista e pela acessibilidade
de que a pessoa surda necessita para construir conhecimento na instituição
escolar. Diante disto, a pesquisa traçou um perfil dos intérpretes que atuam no
nível superior da UFPB, identificando titulação, proficiência, experiência e
analisando a correlação com a área de atuação como elemento importante para um
trabalho de qualidade.
Palavras-chave:
Intérprete/tradutor. Formação. Ensino Superior.
Introdução
Do ponto de vista
teórico, parece resolvido o debate sobre o direito de todos à educação.
Documentos internacionais, como a Declaração de Salamanca (1994) e a Carta de
Guatemala (1999), por exemplo, referendam tal premissa. Nestes instrumentos, o
direito à educação é salvaguardado, independente das condições e necessidades
dos sujeitos, portanto, variáveis como: etnia, classe, sexo, religião,
deficiências ou diferenças não devem ser limitadoras desse direito.
Ainda seguindo o
exemplo dos movimentos internacionais, no Brasil, os dispositivos legais –
Constituição Federal (1988) e LDB 9.394 (1996) - também apontam na mesma direção.
Além disto, pesquisadores da área há muito defendem a legitimidade deste
direito e reivindicam mudanças que garantam o pleno atendimento de todos os
alunos nas instituições escolares (SKLIAR, 1997; GOLDFELD, 2002; TESSARO,
2005).
Embora estejam resolvidos
os impasses teóricos, do ponto de vista prático, a inclusão educacional tem
muitos desafios. A década de 90 e, mais especificamente os primeiros anos do
novo milênio, demonstraram a efervescência de pesquisas voltadas para a questão
da inclusão educacional de grupos historicamente excluídos, e os resultados
revelam, no caso brasileiro, o quanto tem sido desafiador este processo,
principalmente para pessoas surdas e especificamente no ensino superior.
Mais recentemente, leis
como a N.º 10.098 de 2000, que defende as principais ações relativas à
acessibilidade; a Portaria 3.284 de 2003 que regulamenta a acessibilidade à
Educação Superior ou a Lei 10.436 de 2002 que reconhece a Língua Brasileira de
Sinais como meio legal para comunicação e expressão do surdo, reafirmam a
intenção política em garantir a inclusão educacional e social de surdos\as.
Mas, infelizmente, parece não ser ainda suficiente para garantir a inclusão (In:
SANTIAGO, 2011). Urgente, é que todas as instâncias educacionais mobilizem esforços
nesta direção, estimulando a criação de projetos na área e garantindo, no caso
dos surdos, uma formação continuada dos intérpretes/tradutores de libras, já
que não existe uma correlação entre formação e atuação profissional destes
indivíduos.
É consenso que os
alunos surdos, como os demais grupos marcados por diferenças, enfrentam muitos
obstáculos durante seu processo de escolarização. No entanto, a situação do
surdo se agrava porque estas dificuldades têm sua origem em questões de ordem
linguística, ou seja, as limitações impostas ao surdo não atingem apenas o
plano arquitetônico ou metodológico, mas, também o cultural, relacional,
comunicativo e identitário. E, neste contexto, a formação do
intérprete/tradutor assume papel fundamental, não podendo ser negligenciada,
especialmente no ensino superior.
Apoiados em Skliar
(1997:149), ressaltamos que o “completo acesso à informação curricular e
cultural”, no caso dos surdos, só se realiza se garantirmos que os intérpretes
possuam condições conceituais para realizar a atividade de tradução e
interpretação dos conhecimentos veiculados no ensino superior. Esta condição é
dada quando existe correlação entre a formação acadêmica do tradutor/intérprete
e sua área de atuação. No entanto, na prática não temos esta condição garantida
em todos os casos, com destaque especialmente para a escassez de profissionais
intérpretes para atuação junto às ciências exatas. Nestes casos, defendemos a
necessidade de que mesmo tendo que admitir a atuação profissional de interpretes/tradutores
das ciências humanas nas disciplinas e cursos de outras áreas, a formação
continuada destes indivíduos deve ser garantida pela instituição, a fim de que
não se prejudique os alunos/as surdos/as.
Sendo assim, é claro
que os obstáculos que alguns estudantes surdos vem enfrentando no ensino
superior, não dizem respeito unicamente às diferenças e necessidades deles
próprios, mas, às condições estruturais oferecidas aos surdos para garantir a
acessibilidade. E, neste contexto, destacamos a formação continuada do
intérprete/tradutor de libras como merecedora de ações efetivas para garantir
qualidade e acessibilidade. E, destacamos que, embora seja este o profissional
responsável, em última instância, pelo acesso ao conhecimento, se sua formação
não lhe permite executar sua função com competência, ele pode inviabilizar a
inclusão do surdo.
Método
É importante destacar
que este estudo é parte do projeto de pesquisa que desenvolvemos na instituição
desde o ingresso da primeira estudante surda em 2010.2, por isso, se configura
apenas como um recorte de dois projetos já desenvolvidos junto aos estudantes
surdos e que se intitulam respectivamente como: “Saberes Necessários para a
inclusão de surdos/as no ensino superior” e “Mediação Pedagógica para alunos surdos
no ensino superior”. Desse modo, a fim de traçar um perfil dos intérpretes que
atuam no nível superior da UFPB – Universidade Federal da Paraíba -,
identificando titulação, proficiência, experiência, área de atuação e qualidade
da atividade, optou-se por realizar uma pesquisa explicativa, de campo e
qualitativa.
De modo geral, a
pesquisa se configura como explicativa porque segundo Gonsalves (2003), o
objetivo da pesquisa é identificar a correlação de fatores na realização de um
determinado fenômeno, ou seja, a formação dos intérpretes/tradutores e a
atuação profissional dos mesmos, buscando a relação entre tais elementos e a
qualidade da atividade desenvolvida. Junto aos intérpretes não foi feita
pesquisa direta, os dados foram coletados a partir dos formulários preenchidos
no processo seletivo para ingresso na instituição e acrescidos de elementos
apresentados na entrevista. Junto aos estudantes surdos, os dados foram
coletados a partir dos relatórios apresentados pelos estudantes surdos e pelos
apoiadores, no “Projeto de Mediação Pedagógica”, e por entrevista
semiestruturada concedida ao projeto “Saberes necessários para a inclusão de
surdos/as no ensino superior”.
Ainda do ponto de vista
da natureza dos dados, segundo Richardson (2009), ela esta é uma pesquisa que
se configura em qualitativa, pois faz uma análise da qualidade, através da
inferência das informações extraídas durante a coleta de dados realizada junto
aos formulários preenchidos pelos 02 intérpretes de libras que atuam no CCEN e
pelos relatórios produzidos pelos 12 apoiadores que atuam no CE e no CCEN. Além
destes, acrescentam-se também como sujeitos da pesquisa: 03 estudantes surdos,
sendo respectivamente 01 aluna do curso de Pedagogia, do CE - Centro de
Educação, e 02 estudantes do CCEN - Centro de Ciências Exatas e da Natureza,
sendo 01 aluna do curso de Ciências da Computação e 01 aluno do curso de
Física.
Os dados coletados por
meio dos instrumentos (formulário, relatório, entrevista) foram analisados com
base nas seguintes categorias: titulação, proficiência, experiência, correlação
com sua área de atuação e qualidade da atividade desenvolvida.
Resultado
e Discussão
A UFPB foi criada em
meados dos anos 70 e nunca antes contou com a presença de estudante surdo em
seus diferentes cursos. É, somente, a partir de 2010 que tem início o processo
inclusivo de surdos na instituição, sendo estes identificados desde o processo
seletivo (PSS- processo seletivo seriado ou PSTV – processo seletivo de
transferência voluntária) e acompanhados durante e após aprovação. Tal fato,
por si só, já é bastante explicativo da inexistência formal de uma política
inclusiva e de acessibilidade para surdos, bem como dos conflitos enfrentados
hoje para que se garantam os direitos dos surdos. Ressalta-se, ainda, que as
ações que se desenvolvem na atualidade, na UFPB, não nasceram de uma política
inclusiva pré-definida e estruturada, mas, emergem das reivindicações dos
respectivos estudantes e de grupos comprometidos com a questão e, por isso, se
configuram mais em ações isoladas e desarticuladas do que numa política
inclusiva.
Cabe destacar que a
principal ação desenvolvida junto aos surdos com vistas à acessibilidade na
UFPB é o projeto de “Mediação Pedagógica para alunos surdos no ensino
superior”. Dentro deste projeto, destaca-se a presença de pelo menos dois
agentes diretamente responsáveis pela acessibilidade e ambos com atividades
ligadas a interpretação/tradução em libras. Para os efeitos deste estudo
chamaremos de agente 1, o apoiador, e de agente 2, o intérprete. Neste estudo,
analisaremos a formação e atuação de ambos para tecer considerações acerca do
binômio formação/atuação do intérprete/tradutor de libras, pois eles realizam a
atividade de interpretação/tradução, ainda que em perspectivas diferenciadas.
O agente 1 (APOIADOR)
possui as seguintes funções: mediar as relações professor-aluno, gravar e
transcrever as aulas e traduzir/interpretar informações essenciais
durante as aulas e fora dela, garantindo acessibilidade aos surdos. O agente 2
(INTÉRPRETE) tem a função específica de traduzir/interpretar os conteúdos
veiculados em sala, durante as aulas das diferentes disciplinas do curso, onde
o aluno está matriculado.
Os apoiadores totalizam
12, sendo 05 atuantes no curso de Pedagogia, aqui identificados como apoiador
A; 05 atuantes junto ao curso de Ciências da Computação, aqui identificados
como apoiador B1 e B2; 02 atuantes junto ao curso de Física, identificados como
apoiador C. Os intérpretes de libras totalizam 02, atuando especificamente
junto ao curso de Física. A fim de que possamos discutir melhor a presença do
intérprete/tradutor apresentamos o quadro a seguir com as categorias observadas
durante a coleta de dados, a partir dos quais teceremos algumas considerações.
Quadro
1: CORRELAÇÃO
FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DO INTÉRPRETE DE LIBRAS
TIPO
DE ATUAÇÃO DOS INTÉRPRETES
|
QUANTIDADE
|
ÁREA DE TITULAÇÃO
|
PROFICIÊNCIA
|
EXPERIÊNCIA
|
ATUAÇÃO
|
APOIADOR A
|
05
|
Humanas
|
Regular
|
Regular
|
Humanas
|
APOIADOR B1
|
02
|
Humanas
|
Regular
|
Regular
|
Exatas
|
APOIADOR B2
|
05
|
Exatas
|
Fraca
|
Fraca
|
Exatas
|
APOIADOR C
|
02
|
Exatas
|
Fraca
|
Fraca
|
Exatas
|
INTÉRPRETE
|
02
|
Humanas
|
Boa
|
Boa
|
Exatas
|
Fonte: Produzido pela
autora a partir de pesquisa direta.
A análise do quadro foi
apoiada nas informações contidas nos relatórios apresentados pelos estudantes
surdos e pelos apoiadores, acrescidos de dados da entrevista. A fim de
vislumbrar os resultados apresentados pelos estudantes surdos quanto ao
desempenho dos agentes 1 e 2 apresentamos o quadro a seguir.
Quadro 2 –
AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DOS INTÉRPRETES DE ACORDO COM O ESTUDANTE SURDO
AGENTES
|
AVALIAÇÃO
DO DESEMPENHO
|
Apoiador A
|
MUITO BOM
|
Apoiador B1
|
REGULAR
|
Apoiador B2 e C
|
MUITO BOM
|
Intérprete
|
BOM
|
Fonte: produzido pela autora a partir de
pesquisa direta.
Da análise dos dois quadros chegamos aos
seguintes resultados:
ü Os
apoiadores do tipo A têm nível regular de proficiência e experiência em libras
e uma correlação adequada entre a área de formação e atuação. Estes apoiadores,
de acordo com a estudante atendida, realizam um trabalho muito bom e promovem a
acessibilidade.
ü Os
apoiadores do tipo B1 possuem formação diferente da área de atuação e
proficiência e experiência regulares. De acordo com informações da estudante
surda do curso de Ciências da Computação, apresentam desempenho regular, não
garantindo a acessibilidade plena da aluna nas atividades e conteúdos do curso.
ü Os
apoiadores do tipo B2 e C possuem formação equivalente com a área de atuação,
mas proficiência e experiência em libras fracas. Ainda de acordo com a aluna
surda do curso de Ciências da Computação apresentam desempenho muito bom com
relação às ações inclusivas.
ü Os intérpretes de libras não possuem formação
correlata com a área de atuação, mas proficiência e experiência boa em libras.
De acordo com o aluno assistido apresentam desempenho bom com relação à
inclusão.
Tais considerações
apontam para o fato de que a formação é, sem dúvida, um elemento decisivo na
qualidade da atuação do tradutor/intérprete de libras no ensino superior, haja
vista, que mesmo em detrimento do conhecimento em libras, os profissionais que
atuam nas suas áreas de formação se saem melhor na avaliação dos alunos que os
que atuam em áreas diferentes. Da mesma forma, boa proficiência em libras não
tem sido suficiente para aumentar o desempenho do intérprete/tradutor, quando
este atua numa área distinta da sua formação. Diante disto, fica claro que as
instituições precisam se preocupar com a formação dos intérpretes/tradutores de
libras, a fim de que não se comprometa o desenvolvimento acadêmico dos
estudantes surdos no ensino superior.
Referências
BRASIL. Constituição Federal do Brasil. Brasília:
Senado Federal, 1988.
_______. Declaração de Salamanca. Brasília:
MEC/SEESP, 1994.
_______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. LDB Nº 9.394. Brasília: MEC, 1996.
_______. Carta de Guatemala. Brasília: MEC/SEESP,
1999. Disponível em: www.mec.org. Acesso em 12 de março de 2012.
GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição
numa perspectiva sóciointeracionista. São Paulo: Plexus, 2002.
GONSALVES, E. P.
Conversas sobre Iniciação a pesquisa científica. SP: Alínea, 2003.
SANTIAGO, Sandra
A. S. A História da Exclusão das Pessoas com deficiência; aspectos históricos,
educacionais e religiosos. João Pessoa: Editora Universitária, 2011.
RICHARDSON, R.
J. Pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2009.
SKLIAR, Carlos
(org.). Educação e Exclusão. Porto Alegre: Mediação, 1997.
TESSARO, Nilza S. Inclusão escolar: concepções de professores e alunos da
educação regular e especial. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
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